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(In)Fusão

Um espaço para todos, celíacos e não celíacos.

Publicado por
Daniela Soares
|
17/11/2021

Os obstáculos surgem sempre, diz Rosana Santos, e o maior que lhe surgiu chama-se fibromialgia. As constantes dores e cansaço afastaram-na de um emprego que a satisfazia, mas, ao mesmo tempo, deram-lhe a oportunidade de perseguir um sonho antigo: a culinária. Obrigada a assumir uma alimentação sem glúten e lactose, a empreendedora aproveitou a dificuldade e transformou-a em oportunidade de negócio e assim nasce a (In)Fusão, um espaço para todos, celíacos e não celíacos.

Rosana Santos, de Santa Maria da Feira, trabalhou como rececionista, administrativa, diretora comercial, mas desde sempre a sua verdadeira paixão foi a cozinha. “Comecei a cozinhar com oito anos. A minha avó passava-me as receitas pelo telefone fixo. Era beirã, uma excelente cozinheira e aprendi muitas dicas, muito do que faço hoje, baseado naquilo que a terra dá, com a minha avó”, conta Rosana Santos. Nas festas de família, a cozinheira era ela. “Num almoço para o grupo que anda no Compasso, o prato era cabrito e fui eu, com 15 anos, que temperei e cozinhei o cabrito para aqueles homens todos”, diz, orgulhosa.

Nunca fez qualquer curso de cozinha, à exceção de duas formações em Cake Design para aprender mais sobre a área. A cozinha estava em segundo plano, na vida de Rosana Santos, que se dedicava ao trabalho num escritório de advogados, onde estava há dez anos. “Estava no céu, adorava o trabalho as pessoas”, afirma. Mas a vida tinha outros planos para ela. “Uma luta complicada. Durante três anos, não sabia o que tinha. Diziam-me que podia ser uma panóplia de coisas: artrite reumatoide, fibromialgia, lúpus”, enumera. Na verdade, era a fibromialgia a espreitar. “É muito difícil diagnosticar fibromialgia porque não há uma análise, um exame, que diga é fibromialgia. É muito demorado. Só três anos depois, uma médica, que me fez um batalhão de exames, me disse que o que eu tinha era fibromialgia, uma doença para o resto da vida”. Ouvir isto, para Rosana Santos, foi um golpe. “Estou sempre cansada, acordo cansada, não há um minuto em que não tenha dores, isso é difícil de gerir, temos de abstrair-nos da parte física e focarmo-nos noutra coisa”, refere.

Ajuda até para as tarefas mais básicas

Mas antes que ela pudesse fazer isso, ainda teria de passar pela sua pior fase. “A medicação era tão forte… A cada consulta que ia, queixava-me das dores e aumentavam a carga da medicação e a medicação para a fibromialgia é à base de anti depressivos, analgésicos, relaxantes musculares, tudo coisas que nos deixam completamente apáticos”, lembra. Ela, que foi sempre “cheia de vida, a fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Anulei-me, parecia um zombie, andava sempre adormecida, tomava nove comprimidos por dia”, conta. Decidiu, então, motivada pelo marido, procurar uma solução.

“Fui estudando o que era a fibromialgia, alimentação alternativa que me pudesse ajudar em termos anti-inflamatórios, porque a fibromialgia é uma doença muscular. Comecei a fazer o desmame da medicação e a substituir por uma alimentação mais equilibrada sem alergénicos”, afirma.

Nessa altura, o seu maior escape foi a cozinha. “Refugiei-me completamente na cozinha. Foi uma tábua de salvação para mim. A cozinha era aquilo que eu podia mostrar de melhor, era aquilo que me saía bem, já fui criada para ser uma boa cozinheira”, revela. E aí, ao mesmo tempo que dedica mais tempo à cozinha e à aprendizagem de uma nova alimentação, começa a nascer o projeto (In)Fusão. “A intolerância à lactose foi mais fácil porque a minha filha já era intolerante, já conhecia, mas o glúten… Não tinha qualquer conhecimento. Um casal amigo tinha uma menina celíaca e isso acabou por nos aproximar e foi através deles que descobri a Associação Portuguesa de Celíacos. Procurei ajuda, informação, e comecei a frequentar o workshops dados por eles. No último, acabei atrás do balcão”, conta, entre risos, acrescentando que “se aperceberam deste gosto e incentivaram o próximo passo”.

Motivada também pelo marido, o único apoiante desde a partida, Rosana Santos começou a encontrar o seu foco. “O meu lema é “nada acontece por acaso”. Às vezes, não sei se hei-de dizer esta bendita doença ou esta maldita doença porque se não tivesse sido esta doença não estaria aqui, estaria atrás de uma secretária a ver números, a atender chamadas e a fazer relatórios”, diz. O primeiro passo foi dirigir-se à Agência Local em Prol do Emprego (ALPE).

“Coincidências da vida, encontrei uma amiga nos correios, conversa puxa conversa, disse-lhe que tinha uma ideia e não sabia o que havia de fazer e ela falou-me na ALPE”, refere. Antes de ter qualquer coisa, diz Rosana Santos, o nome já estava escolhido. “(In)Fusão conjuga “in” de inclusão e “fusão” porque sempre quis ter um bocadinho de cada coisa – mercearia, padaria, pastelaria”, explica. Nunca criou grandes expectativas sobre o projeto, mas desde o início soube que seria um espaço “isento de glúten” mas não exclusivo para celíacos. “Infelizmente existe o estigma de que o que não tem glúten não é bom, daí não dizer em lado nenhum no espaço que é sem glúten, mas está ali o símbolo, a espiga cortada. Sempre quis que fosse um espaço de inclusão onde um celíaco também pode vir mas não é só um espaço para celíacos”, refere.

Contratempos vão sempre acontecer

Foi uma caminhada longa, de mais de quatro anos, até chegar aqui. “A loja fez dois anos em março e durante um ano tive de reformular todo o projeto. No dia em que era suposto assinar o contrato de arrendamento da loja onde ia ficar, o senhorio disse-me que a ia utilizar para outra coisa. Eu já tinha gasto quase cinco mil euros no projeto de arquitetura”, revela, recordando aquele dia.

“Lembro-me de sair do local onde era a loja, depois de suplicar e dizer que tinha duas filhas para alimentar, uma casa para pagar e sujeitava-me a ficar sem subsídio de desemprego, sem nada, e apenas encontrar frieza do outro lado. Ia desesperada no caminho até casa, liguei ao meu marido e a seguir à Dra. Adélia Antunes [da ALPE] e ela disse-me “calma, vamos procurar outra loja... e assim foi”, afirma. A ALPE foi “um apoio fundamental, quer a formular o primeiro projeto, quer a reformular.

Não foi fácil mas nenhum dos meus partos foram fáceis e esta minha filha também teve um parto complicado. Cá estou, não desisti e estou muito grata porque ainda consigo ter a porta aberta, tenho encomendas, tenho clientes a entrar para tomar pequeno-almoço, almoçar ou só para dizer um olá”. Ainda a surpreende o carinho das pessoas pela (In)Fusão. “As pessoas sabem o que é a (In)Fusão e isso é uma surpresa porque para mim continua a ser só a minha casa. Muitos grupos de isenção de glúten falam na (In)Fusão e isso deixa-me tão orgulhosa”, refere. Rosana Santos conseguiu, ao longo de todo este percurso, “muitos momentos de felicidade”, como pessoas que comeram uma fatia de bolo de cenoura e acabaram a levar embora o bolo todo, a própria família surpreendida como um bolo de amêndoa sem glúten pode ser tão saboroso, o elevar do bolo colchão de noiva a ex-libris do espaço ou os tantos elogios e abraços de quem nunca pôde comer certas coisas até entrar no seu estabelecimento. “Há um ingrediente que coloco em tudo o que faço: amor. Amo aquilo que faço e por isso me levanto muitas vezes com tanto sacrifício e venho para cá. Há dias em que trabalho 16h/17h por dia. Ao fim de quatro, cinco dias já não consigo sequer mexer-me, mas isso não me faz desistir”.

Este é, aliás, o conselho que deixa: “Gerir o próprio negócio é difícil, mas se é algo que querem muito, não desistam. O fundamental é ter foco, saber aquilo que realmente queremos e não nos perdermos por vias travessas. Os obstáculos vão aparecer, temos de arranjar soluções para eles. Há dias melhores e outros piores, há dias em que ponderamos se tomamos a decisão certa. Mas quando as coisas correm bem é um êxtase brutal”, remata.

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