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Isa'licious

“Um negócio muda a vida, nunca mais temos a vida tranquila que tínhamos a trabalhar para outras pessoas”

Publicado por
Daniela Soares
|
14/4/2024

Isa Letra, 33 anos, é pasteleira desde que se conhece, porque começou em criança a “fazer bolos com a mãe”. Em casa, sempre prepararam doces para as épocas festivas, os bolos “calhavam bem” e havia guerra para lamber a taça do pão-de-ló. Queria ter sido estilista de moda, mas a falta de oportunidades de estudo acessíveis desviou-a desse caminho e acabaria por regressar a um gosto que nunca deixou. Abriu o espaço Isa’licious, em S. João da Madeira, em setembro do 2022 e apesar dos primeiros meses serem “difíceis”, a sorte premiou o talento e os clientes têm chegado, muitos à procura do bolo Spotify, que lhe trouxe projeção nacional.

“Sempre quis ser estilista”, diz Isa Letra, e franzimos o sobrolho porque pensamos que a entrevista seria sobre bolos. A verdade é que quando chegou a altura de escolher um curso no ensino superior, a jovem tinha o desejo de seguir moda, mas só havia duas opções, uma no Porto e outra em Lisboa, ambas muito acima do orçamento que dispunha para os estudos. Em alternativa, escolheu Design de Figurinos, mas cedo percebeu que não era por ali. “A minha mãe insistiu para que acabasse o curso, mas não era aquilo que eu queria. Curiosamente, acabei por descobrir o caminho quando ajudei na preparação de um brunch num espaço cultural. Quando estava a fazer os bolos e a servir à mesa, apercebi-me que era aquilo que gostava e queria fazer”, conta.
O primeiro passo para se lançar neste mundo da pastelaria. Aproveitou os conhecimentos da família no Brasil e, como na altura Portugal não tinha grande variedade de cursos na área, viajou até lá e completou uma série de formações nas mais diversas vertentes da pastelaria. De regresso a Portugal, sentiu falta de um curso mais completo que fosse a base para começar a trabalhar na área e assim encontrou a Escola de Hotelaria do Porto. O curso durou um ano e meio, completo com um estágio em Barcelona, e depois disso trabalhou em locais como o Hotel Teatro, o Vila Foz Hotel & Spa e a Miss Pavlova. Quando o desemprego lhe bateu à porta, as únicas oportunidades que Isa Letra encontrava não eram compatíveis, no que concerne a horários, com a vida familiar e o filho que tem a seu cargo, então decidiu que estava na altura de dar o salto.

O sonho concretizado do salão de chá
“Sempre quis ter um salão de chá. Quando decidi que queria ser pasteleira, disse ‘um dia vou ter um salão de chá com uma decoração cuidada e bonita’. Sempre disse isto, mas pensei que seria mais tarde, que ainda iria trabalhar mais tempo por conta de outrem”, revela. 2022, no entanto, foi ano em que as portas da Isa’licious abriram, em S. João da Madeira, para receber os clientes com uma montra apetitosa de bolos, macarons, cookies, pipocas e tantas outras iguarias. Isa Letra enumera a quantidade de opções disponíveis e a água cresce na boca a cada novo elemento da lista. Há bolo de cenoura com brigadeiro, red velvet, chocolate com caramelo salgado, há pipocas de maracujá, chocolate e framboesa, speculoos, há bolo no pote e há bento cakes, inclusive os que a tornaram conhecida, com o código da música do Spotify. “Tenho tido bastante trabalho, mas se me vejo parada, estou sempre a inventar coisas para pôr aqui à venda”, diz.
Os bolos podem ser encomendados para ocasiões especiais – ainda não há venda de bolos à fatia no espaço, apenas das três versões dos bolos mais vendidos em formato mini – com pagamento de 50% no ato da encomenda. “Uma das lições que fui aprendendo na vida de empreendedora. Uma senhora encomendou um bolo para o Dia dos Namorados, mas não me confirmou a encomenda quando lhe enviei o orçamento. No dia anterior, perguntou pelo bolo quando eu já tinha esgotado a capacidade de encomendas. Avancei então com esse procedimento que permite sinalizar e garantir a encomenda”, explica. Gerir clientes tem sido uma das coisas mais desafiantes do negócio. “O que gostava de ter sabido antes de começar? Há pessoas com quem não queremos trabalhar e clientes que devemos ‘despedir’. Acredito sempre no melhor das pessoas, que têm boas intenções, que são empáticas, mas nem sempre acontece. Há coisas que não controlamos, vamos fazendo e aprendendo”, refere.
O negócio tem corrido bem, com aparições em meios de comunicação nacionais por causa do bolo Spotify, mas Isa Letra lembra a dificuldade dos primeiros meses e o acompanhamento da ALPE que foi indispensável. “O início é muito difícil. Eu ainda tive o Natal que para a pastelaria é bom e o artigo que saiu sobre o meu projeto. Sentia que não estava onde queria que estivesse, mas estava melhor do que seria suposto estar. Nunca pensei em desistir, mas pensei ‘o que me passou pela cabeça?’. Os dias não são sempre bons, há semanas e meses mais parados, dores de crescimento que fazem parte”, refere. Durante esse tempo, o técnico da ALPE “ligou sempre, ainda liga para ver como estão a correr as coisas”, uma ajuda “essencial” desde o momento em que decidiu fazer a candidatura para antecipação do subsídio de desemprego para criação do próprio negócio.
Uma das melhores coisas do empreendedorismo é o amor pelo que se faz. “Faço aquilo que gosto e o que sempre quis fazer, que são os bolos decorados. É verdade que trabalho muito mais, mas o horário sou eu que o giro, e posso fazer certas coisas a partir de casa, o que me dá uma liberdade com o meu filho que eu não tinha antes”, afirma Isa Letra, reforçando a “realização pessoal. Estar a fazer algo por mim, pensar ‘até sou capaz disto’, é muito importante”, diz. O reverso da moeda? “É um processo muito solitário, especialmente quando o empreendedor está sozinho. Tudo se concentra em mim, sou pasteleira, copeira, faço Marketing, redes sociais, orçamentos... Chega a um ponto em que algo falha, não consigo estar em todo o lado, o que significa que daqui a uns tempos tenho de contratar alguém. Tenho sorte que a minha mãe ainda vem dar aqui uma ajuda e lavar a louça”, conta. Como conselhos para futuros empreendedores, atira: “Só vão se querem mesmo, se estiverem na dúvida não vão. Nem toda a gente quer ser empreendedor e não dá para toda a gente. Temos de querer mesmo muito. Um negócio muda a vida, nunca mais temos a vida tranquila que tínhamos a trabalhar para outras pessoas. Quando trabalhava por conta de outrem, tinha uma vida santa, só me preocupava com a pastelaria, o dinheiro que entrava ou saía não era da minha responsabilidade. Não é fácil, mas vale a pena”.

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